I.
"Por que aceitei esse trabalho, mesmo? Longe de casa, longe da família? As distâncias no espaço são imensuráveis; se mandasse uma mensagem para meus filhos, anos se passariam para eu ter uma resposta. Apesar do nível tecnológico que alcançamos, ainda não conseguimos o impossível. Somos um ínfimo ponto se comparados com a imensidão do universo. Não. Um ponto seria grande demais. Um átomo, talvez. Um elétron. Uma partícula"."Há cem anos nunca imaginávamos poder viajar grandes distâncias em um curtíssimo tempo. Mas três anos é muito para se viajar no espaço, e para que? Para conhecer o desconhecido, encontrar novas civilizações, novas tecnologias? Apesar do programa espacial já estar em vigor há quase um século, com naves atingindo estrelas mais distantes, nunca encontramos uma civilização mais avançada que a nossa. Às vezes me pergunto de que adianta viagens espaciais se em cada lugar que encontramos não há nada de novo para aprender".
"Minhas ordens e objetivos ainda são os mesmos que os pioneiros das viagens espaciais não conseguiram cumprir: encontrar tecnologias desconhecidas para nós. Somos a raça que mais conhecimento possui do universo, pelo menos entre as que fizemos contato".
"Esta viagem tem alguma possibilidade de trazer algum benefício. Nossos sensores captaram que no planeta Psi Delta Rho 33372 C, no setor Dezesseis, octante Cinco-Delta da nossa galáxia existe uma civilização, que apesar de não ser tão avançada quanto a nossa, possui um recurso natural desconhecido pelos nossos computadores. Nossos sensores indicam que os habitantes desse planeta utilizam esse reserva natural para tudo: transporte, iluminação, subsistência. É uma espécie de combustível mineral. Lá em meu planeta natal, os pesquisadores estão ansiosos aguardando a descoberta".
"Mas eu não".
"Qual é a importância de tal recurso para nós? Sua composição química certamente seria de interesse. Talvez conseguíssemos sintetizá-lo, mas para que? Poderíamos com ele construir naves melhores para procurarmos outros minérios em sistemas mais distantes, que nos permitiriam por sua vez construirmos naves que atinjam planetas ainda mais distantes? É uma possibilidade. Mas onde queremos chegar? No fim do universo? Em universos paralelos? Teoricamente eles podem existir, mas será que existem mesmo? E, uma vez chegando lá, começaremos tudo de novo para aprender as leis que regem esse novo sistema? Ou encontrar esse minério é simplesmente mais um indício da estúpida curiosidade que avassala nossa raça? Quando iremos parar? Quanto será suficiente?".
"Não estou afirmando que a Tecnologia seja ruim, pelo contrário, ela possibilitou que nosso planeta melhorasse em tudo. Mas se, ao invés de buscarmos tecnologias e recursos de civilizações mais avançadas que nós, buscássemos conhecê-las melhor? Seria a ciência de um povo mais importante que o próprio povo? E sua história? O que os levaram a atingir determinado nível de desenvolvimento? Necessidade, escolha, sorte? Guerra? Como vivem e o que respiram? Como se reproduzem? Qual o nome que deram ao planeta em que vivem? Que costumes e tradições possuem e que transmitem de geração em geração? Isso eu me questiono, pois não aprenderíamos mais com a própria civilização do que com sua tecnologia?".
"Os últimos dados de análise que nossos sensores captados do planeta indicam que realmente a civilização ainda é muito primitiva. Não começaram a viajar pelo espaço; nunca encontraram uma outra raça alienígena, nem um equilíbrio entre avanços científicos e natureza; há fome, doenças, guerras, e superpopulação. Ótimos exemplos de como nosso conhecimento nos ajudou a evoluir. Esses problemas não existem mais em nosso mundo e são palavras do passado, que nossos avós contam que seus avós ouviram falar, e hoje, inimagináveis. Tentaremos obter um pouco do minério sem sermos vistos. Nossos sensores não foram capazes de dizer se nossa aproximação seria identificada ou não. Talvez com ele poderiamos melhorar nossos sensores?".
II.
Subitamente, o alarme disparou.
- Droga, fomos detectados! Plano B. Ative o escudo. - Ordenou o comandante. - Não sabemos se haverá confronto, mas caso tentem atacar, sua tecnologia não será páreo para a nossa.
A nave chegou ao seu destino. Uma sombra de enormes proporções surgiu na superfície daquele mundo longínquo. Como previsto, ataques desesperados dos alienígenas foram atentados contra a espaçonave.
- Agora os alienígenas somos nós. - Comentou um dos oficiais.
Minutas aeronaves e mísseis foram lançados contra a gigantesca estrutura metálica que pairava sobre o planeta; porém, todo e qualquer esforço provou-se inútil contra seu escudo. A tripulação analisava a estratégia alienígena com curiosidade.
- Evidentemente são muito agressivos. - Observou um dos tripulantes.
Depois de horas de fogo hostil, a violência deu lugar a quietude.
- Mande uma mensagem para os governantes do planeta dizendo-lhes que não queremos nenhum mal. Marque um encontro em algum lugar do planeta longe de suas cidades. Vamos usar nossa nave de transporte para descer a superfície. - As múltiplas ordens do capitão puseram vários oficiais ao trabalho.
...
O comandante, junto com seus primeiros oficiais, saiu da nave de transporte com passos largos e decisivos. Novamente, a tecnologia desafiava seu cinismo. Além dos escudos individuais que iriam protegê-los de eventuais hostilidades dos habitantes deste planeta, a lingüística poderia traduzir suas palavras para a língua dos nativos, como havia feito ao enviar a mensagem.Ao vislumbrar a enorme quantidade de alienígenas presentes, o capitão nada disse, mas os analisava com interesse. Sua primeira impressão foi a de que, como seu povo, os nativos eram extremamente curiosos, pois apesar do lugar ser aparentemente remoto, milhares deles estavam presentes. Com certeza, esse era o acontecimento mais importante de sua história.
O comandante não deixava escapar nenhum detalhe a sua volta e registrava suas conclusões em um gravador imperceptível a olho nú:
- Pelo número de representantes que se reúne à frente da população, nota-se que esse povo possui uma divisão política significativa. Nenhum deles parece ter influência direta sobre os outros, mas certamente existem líderes mais importantes, pois são os mais visados entre os presentes. Entre eles mesmos, observo muitas raças, assim como em outros tempos existia na nossa, mas que a história tratou de eliminar naturalmente: séculos de trânsito livre misturaram todos grupos étnicos. Eles parecem agitados e impacientes. Não é à toa que atacaram a nossa nave logo após nos identificarem. A tecnologia também é muito importante para eles, percebo inúmeras máquinas, pequenas e grandes, que só imagino que funções tenham. Será que também buscam saber os mistérios do universo? Os mistérios da ciência? Certamente se intrigaram com nosso escudo. Um forma de proteção tão básica pra nós e fantasticamente avançada para eles. Teriam eles interesse em conhecer a tecnologia do escudo? Para que fins a usariam? Buscariam a paz para as guerras que travam ou a usariam para aniquilar de uma vez o inimigo?
- Bom pouco disso importa agora. Estamos aqui para pelo seu minério. Ordens são ordens. Com um suspiro, o comandante terminou sua primeira análise da estranha civilização.
III.
Para a população, aquela visão era surreal. Depois de décadas tentando descobrir se realmente estavam sozinhos no universo, em uma remota planície de seu mundo desceu uma enorme espaçonave e dela saíram três alienígenas, que tinham exigido um encontro com os líderes locais. Apesar de estarem silenciosos, parecem curiosos; analisavam os habitantes da mesma forma que eles os analisavam.Os chefes de governos, decididos a quebrar o silêncio inquietante, dirigiram-se aos visitantes usando a língua comum do planeta:
- Para visitantes que sabem nossas línguas, vocês estão arrogantemente quietos. Por que agora não dizem nada? O que querem de nós?
O líder dos alienígenas, dando um passo a frente, respondeu no mesmo dialeto:
- Viemos em paz, se é isso que desejam saber, e de muito longe. Tão longe que não tentarei explicar a distância que nos separam no espaço-tempo, pois levariam mais de uma vida para lá chegar. - O alienígena fez uma pausa. Suas frases, em língua comum, eram tão bem construídas que causaram espanto para os milhares presentes. Quando as interjeições de surpresa cessaram, ele continuou:
- Estamos numa missão de descobrimento, pois, assim como vocês, buscamos entender o universo que nos cerca, e aqui, encontramos um enigma instigante, que nos aguça a curiosidade. - O alienígena fez outra pausa, como se esperasse uma resposta, embora nenhuma pergunta tivesse sido feita.
- O que uma raça, aparentemente tão superior, pretende encontrar aqui? - Um dos líderes finalmente perguntou.
- O minério que vocês utilizam. Nós não o conhecemos e queremos uma amostra para levar ao nosso planeta para estudá-lo. - Um murmúrio geral surgiu. Por que uma matéria prima tão comum e simples é tão interessante para uma raça notoriamente superior?
Os governantes começaram a conversar e discutir a exigência do alienígena. Minutos, que mais se pareceram horas, se passaram. O barulho dos presentes estava insuportável quando um pedido de silêncio foi feito. Eles tinham uma resposta:
- Vocês terão nosso minério. Mas nós? O que ganharemos em troca?
A resposta parecia estar na ponta da língua do visitante:
- O fato de saberem que não são únicos no universo não é suficiente? Daríamos muito mais em nosso passado para termos esse conhecimento. - Era um blefe barato, ele realmente não acreditava que poderia receber o minério sem dar alguma coisa em troca, mas não custava tentar.
- O que vocês fariam ou deixariam de fazer no passado não nos interessa. - Um dos líderes retrucou com gana. - Realmente não sabíamos da existência de outras raças, mas desconfiávamos que existiam. Porém, vocês nos desapontam. Se fossem uma raça assim tão avançada, por que chegam a novos planetas exigindo seus recursos sem esperar nada em troca? Não conhecemos nada sobre vocês, mas certamente, em seu lugar não faríamos propostas tão mesquinhas. - O governante fez uma pausa para aumentar o efeito de sua conclusão:
- Não vejo vocês como aliados em nosso futuro.
- O blefe do alienígena saiu pela culatra. Ele não esperava que fossem tão inteligentes. Sua mente treinada, porém, captou a importância de sua última frase. Depois de um curtíssimo tempo, apologeticamente respondeu:
- Desculpem-me se me mostrei mesquinho. Não era minha intenção menosprezá-los. Gostaríamos muito em participar de seu futuro. Digam o que querem e verei com meus oficiais se uma troca é possível. - Defendeu-se o alienígena.
- Como podemos pedir aquilo que não conhecemos. As únicas tecnologias que são evidentes para nós é o escudo que defende a sua nave e também seu tradutor. Mas fora isso, não sabemos mais nada de vocês. Para começar, onde é esse lugar 'tão longe' de onde vocês vêm? - O tom cínico do líder local pareceu penetrar fundo nos escudos dos alienígenas. - Como se chama a sua raça? Qual é o nome de seu planeta?
O líder dos alienígenas pareceu agora mudar de postura, mas não sabia o que dizer. Estava em uma espécie de dilema. Em vários instantes, discutiu e trocou informações com seus oficiais, tentando decidir o que fazer ou como responder. Longos minutos se passaram. O comandante demonstrava agora estar menos apreensivo, mais aliviado. Voltou-se para os líderes com um tom de voz fraternal.
- Desculpem-me pelas nossas atitudes. Tínhamos ordens para buscar novas tecnologias e encontramos seu minério. Mas notando a inteligência de sua raça, conversei com meus oficiais e eles concordaram comigo em mudar de planos. Com certeza ainda gostaríamos de levar um pouco de seu minério, para podermos estudá-lo, mas sem antes poder ficar e conhecer melhor sua raça, seu planeta, e sua cultura. Gostaríamos de aprender sobre sua gente e de ensinar sobre nossa.
Novos momentos de indecisão e incertezas. Os líderes locais conversaram e discutiram entre si. Por fim, chegaram em um acordo.
- Aceitamos sua nova proposta. - disseram em tom eloqüente - acreditamos que vocês poderão aprender muito conosco, assim como nós com vocês. Nossos futuros finalmente parecem que serão de cooperação.
Aplausos e gritos de aprovação surgiram da multidão. - Mas não respondeste nossas perguntas. Quem são vocês? De onde vêm?
Com um ar de satisfação, o líder dos visitantes respondeu:
- Meu nome é André, e venho de um planeta que chamamos Terra.
No comments:
Post a Comment